Herdeiras do Axé
de
Reginaldo
Prandi
(São
Paulo, Hucitec, 1997, páginas 1-50)
Axé é força vital, energia, princípio da vida, força sagrada
dos orixás. Axé é o nome que se dá às partes dos animais que contêm essas
forças da natureza viva, que também estão nas folhas, sementes e nos frutos
sagrados. Axé é bênção, cumprimento, votos de boa-sorte e sinônimo de Amém. Axé
é poder. Axé é o conjunto material de objetos que representam os deuses quando
estes são assentados, fixados nos seus altares particulares para ser cultuados.
São as pedras e os ferros dos orixás, suas representações materiais, símbolos
de uma sacralidade tangível e imediata. Axé é
carisma, é sabedoria nas coisas-do-santo, é
senioridade. Axé se tem, se usa, se gasta, se repõe, se acumula. Axé é origem,
é a raiz que vem dos antepassados, é a comunidade do terreiro. Os grandes
portadores de axé, que são as veneráveis mães e os veneráveis pais-de-santo,
podem transmitir axé pela imposição das mãos; pela saliva, que com a palavra
sai da boca; pelo suor do rosto, que os velhos orixás em transe limpam de sua
testa com as mãos e, carinhosamente, esfregam nas faces dos filhos prediletos.
Axé se ganha e se perde. (Extraído de
Reginaldo Prandi, Os candomblés de São
Paulo.)
uma
apresentação do candomblé*
Reginaldo Prandi
I: Religiões populares no Brasil
O catolicismo tem sido historicamente a religião majoritária
do Brasil, cabendo a outras fés o lugar de religiões
minoritárias, mas nem por isso sem importância no quadro das religiões e da
cultura, sobretudo no século atual. Neste segundo grupo estão as chamadas
religiões afro-brasileiras[1]
, as quais até os anos 1930 poderiam ser incluídas na categoria das religiões
étnicas, religiões de preservação de patrimônios culturais dos antigos escravos
africanos e seus descendentes. Estas
religiões formaram-se em diferentes áreas do Brasil com diferentes ritos e
nomes locais derivados de tradições africanas diversas: candomblé na Bahia[2],
xangô em Pernambuco e Alagoas[3],
tambor de mina no Maranhão e Pará[4],
batuque no Rio Grande do Sul[5]
e macumba no Rio de Janeiro[6].
A organização das religiões negras no Brasil deu-se bastante
recentemente. Uma vez que as últimas levas de africanos trazidos para o Novo
Mundo durante o período final da escravidão (últimas décadas do século 19)
foram fixadas sobretudo nas cidades e em ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver no Brasil em maior contato uns com os
outros, físico e socialmente, com maior mobilidade e, de certo modo, liberdade
de movimentos, num processo de interação que não conheceram antes. Este fato
propiciou condições sociais favoráveis para a sobrevivência de algumas
religiões africanas, com a formação de grupos de culto organizados.
Por outro lado, no final do século passado, foram
introduzidas no País algumas denominações protestantes européias e
norte-americanas. Essas religiões
floresceram, assim como espiritismo kardecista francês aqui chegado também no
final do século passado, mas o catolicismo continuou sendo a preferência de
mais de 90% da população brasileira até os anos 1950, embora na região mais
industrializada do país, o Sudeste, a porcentagem de católicos tenha sido
menor, com um incremento mais rápido no número de protestantes, kardecistas e também seguidores da umbanda, religião
afro-brasileira emergida nos anos 1930 nas áreas mais urbanizadas do País, e
que, a despeito de suas origens negras, nunca se mostrou como religião voltada
para a preservação das marcas africanas originais.
O quadro religioso no Brasil de hoje caracteriza-se por
processo de conversão complexo e dinâmico, com a incorporação e mesmo criação
de algumas novas religiões, às vezes com a passagem do converso por várias
possibilidades de adesão. Os grupos de
religiões mais importantes em termos de números de seguidores hoje são: o
catolicismo, em suas ambas versões de religião tradicional e renovada; os
evangélicos, que apresentam múltiplas facetas entre históricos e pentecostais,
agora também se oferecendo numa nova e inusitada versão, o neopentecostalismo
(Rolim, 1985; Mariano, 1995); os espíritas kardecistas, e um diverso conjunto de religiões
afro-brasileiras. Entre os católicos
renovados sobressaem-se as Comunidades Eclesiais de Base (Pierucci, 1983) e o
novo Movimento de Renovação Carismática (Prandi, 1991b),
movimentos que se opõem doutrinariamente: as CEBs
mais preocupadas com questões de justiça social e mais envolvidas na política,
os carismáticos mais interessados no indivíduo e conservadoramente avessos a
temas de consciência social. Estimativas recentes indicam a presença de 75% de
católicos (os carismáticos são 4% e os das CEBs, 2%
da população), 13% de evangélicos (3% históricos e 10% pentecostais), 4% de kardecistas e 1,5% de afro-brasileiros (Pierucci &
Prandi, 1995).
Dessas religiões, a umbanda tem sido reiteradamente
identificada como sendo a religião brasileira por excelência, pois, nascida no
Brasil, ela resulta do encontro de tradições africanas, espíritas e católicas
(Camargo, 1961; Concone, 1987; Ortiz, 1978). Como
religião universal, isto é, dirigida a todos, a umbanda sempre procurou
legitimar-se pelo apagamento de feições herdadas do candomblé, sua matriz
negra, especialmente os traços referidos a modelos de comportamento e
mentalidade que denotam a origem tribal e depois escrava, mantendo contudo
estas marcas na constituição do panteão. Comparado ao do candomblé, seu
processo de iniciação é muito mais simples e menos oneroso e seus rituais
evitam e dispensam sacrifício de sangue.
Os espíritos de caboclos e pretos-velhos manifestam-se nos corpos dos
iniciados durante as cerimônias de transe para dançar e sobretudo orientar e
curar aqueles que procuram por ajuda religiosa para a solução de seus males. A
umbanda absorveu do kardecismo algo de seu apego às virtudes da caridade e do
altruísmo, assim fazendo-se mais ocidental que as demais religiões do espectro
afro-brasileiro, mas nunca completou este processo de ocidentalização, ficando
a meio caminho entre ser religião ética, preocupada com a orientação moral da
conduta, e religião mágica, voltada para a estrita manipulação do mundo.
Desde o início as religiões afro-brasileiras se formaram em
sincretismo com o catolicismo, e em grau menor com religiões indígenas. O culto
católico aos santos, numa dimensão popular politeísta, ajustou-se como uma luva
ao culto dos panteões africanos (Valente, 1977; S. Ferretti, 1995). Com a
umbanda, acrescentaram-se à vertente africana as contribuições do kardecismo
francês, especialmente a idéia de comunicação com os espíritos dos mortos
através do transe, com a finalidade de se praticar a caridade entre os dois
mundos, pois os mortos devem ajudar os vivos sofredores, assim como os vivos
devem ajudar os mortos a encontrar, sempre pela prática da caridade, o caminho
da paz eterna, segundo a doutrina de Kardec. A umbanda perdeu parte de suas
raízes africanas, mas se espraiou por todas a regiões do País, sem limites de
classe, raça, cor (ver Capítulo II). Mas não interferiu na identidade do
candomblé, do qual se descolou, conquistando sua autonomia. Mas o candomblé também mudou. Até 20 ou 30 anos atrás, o candomblé era
religião de negros e mulatos, confinado sobretudo na Bahia e Pernambuco, e de
reduzidos grupos de descendentes de escravos cristalizados aqui e ali em
distintas regiões do País. No rastro da umbanda, a partir dos anos 1960, o
candomblé passou a se oferecer como religião também para segmentos da população
de origem não-africana.
II: Candomblé nos dias de hoje
Por volta de 1950, a umbanda já tinha se consolidado como
religião abertas a todos, não importando as distinções de raça, origem social,
étnica e geográfica. Por ter a umbanda desenvolvido sua própria visão de mundo,
bricolage européia-africana-indígena, símbolo das próprias origens
brasileiras, ela pode se apresentar como fonte de transcendência capaz de
substituir o velho catolicismo ou então juntar-se a ele como veículo de
renovação do sentido religioso da vida.
Depois de ver consolidados os seus mais centrais aspectos, ainda no Rio
de Janeiro e São Paulo, a umbanda espalhou-se por todo o País, podendo ser
também agora encontrada vicejando na Argentina, no Uruguai e outros Países
latino-americanos, além de Portugal (Oro, 1993; Frigerio
& Carozzi, 1993; Pi Hugarte,
1993; Prandi, 1991c; Pollak-Eltz,
1993; Pordeus, 1995).
Durante os anos 1960, alguma coisa surpreendente começou a
acontecer. Com a larga migração do
Nordeste em busca das grandes cidades industrializadas no Sudeste, o candomblé
começou a penetrar o bem estabelecido território da umbanda, e velhos
umbandistas começaram e se iniciar no candomblé, muitos deles abandonando os
ritos da umbanda para se estabelecer como pais e mães-de-santo das modalidades
mais tradicionais de culto aos orixás. Neste movimento, a umbanda é remetida de
novo ao candomblé, sua velha e "verdadeira" raiz original,
considerada pelos novos seguidores como sendo mais misteriosa, mais forte, mais
poderosa que sua moderna e embranquecida descendente.
Nesse período da história brasileira, as velhas tradições até
então preservadas na Bahia e outros pontos do País encontraram excelentes
condições econômicas para se reproduzirem e se multiplicarem mais ao sul; o
alto custo dos ritos deixou de ser um constrangimento que as pudesse conter. E
mais, nesse período, importantes movimentos de classe média buscavam por aquilo
que poderia ser tomado como as raízes originais da cultura brasileira.
Intelectuais, poetas, estudantes, escritores e artistas participaram desta
empreitada, que tantas vezes foi bater à porta das velhas casas de candomblé da Bahia. Ir a Salvador para se ter o destino lido nos
búzios pelas mães-de-santo tornou-se um must para muitos, uma necessidade que preenchia o vazio
aberto por um estilo de vida moderno e secularizado tão enfaticamente
constituído com as mudanças sociais que demarcavam o jeito de viver nas cidades
industrializadas do Sudeste, estilo de vida já, quem sabe?, eivado de tantas
desilusões.
O candomblé encontrou condições sociais, econômicas e
culturais muito favoráveis para o seu renascimento num novo território, em que
a presença de instituições de origem negra até então pouco contavam. Nos novos terreiros de orixás que foram se
criando então, entretanto, podiam ser encontrados pobres de todas as origens
étnicas e raciais. Eles se interessaram pelo candomblé. E os terreiros cresceram às centenas.
O termo candomblé designe vários ritos com diferentes ênfases
culturais, aos quais os seguidores dão o nome de "nações" (Lima,
1984). Basicamente, as culturas
africanas que foram as principais fontes culturais para as atuais
"nações" de candomblé vieram da área cultural banto (onde hoje estão
os países da Angola, Congo, Gabão, Zaire e Moçambique) e da região sudanesa do
Golfo da Guiné, que contribuiu com os iorubás e os ewê-fons,
circunscritos aos atuais território da Nigéria e Benin. Mas estas origens na verdade se interpenetram
tanto no Brasil como na origem africana.
Na chamada "nação" queto, na Bahia, predominam os
orixás e ritos de iniciação de origem iorubá. Quando se fala em candomblé,
geralmente a referência é o candomblé queto e seus antigos terreiros são os
mais conhecidos: a Casa Branca do Engenho Velho, o candomblé do Alaketo, o Axé Opô Afonjá e o Gantois. As mães-de-santo de maior prestígio e de
visibilidade que ultrapassou de muitos as portas dos candomblé têm sido destas
casas, como Pulquéria e Menininha, ambas do
Gantois, Olga, do Alaketo, e Aninha, Senhora e Stella, do Opô
Afonjá. O candomblé queto tem tido
grande influência sobre outras "nações", que têm incorporado muitas
de suas prática rituais. Sua língua
ritual deriva do iorubá, mas o significado das palavras em grande parte se
perdeu através do tempo, sendo hoje muito difícil traduzir os versos das
cantigas sagradas e impossível manter conversação na língua do candomblé. Além do queto, as seguintes
"nações" também são do tronco iorubá (ou nagô, como os povos
iorubanos são também denominados): efã e ijexá na Bahia, nagô ou eba em Pernambuco, oió-ijexá ou
batuque de nação no Rio Grande do Sul,
mina-nagô no Maranhão, e a quase extinta "nação" xambá de
Alagoas e Pernambuco.
A "nação" angola, de origem banto, adotou o panteão
dos orixás iorubás (embora os chame pelos nomes de seus esquecidos inquices,
divindades bantos — ver Anexo), assim como incorporou muitas das práticas
iniciáticas da nação queto. Sua linguagem ritual, também intraduzível,
originou-se predominantemente das línguas quimbundo e quicongo. Nesta
"nação", tem fundamental importância o culto dos caboclos, que são
espíritos de índios, considerados pelos antigos africanos como sendo os
verdadeiros ancestrais brasileiros, portanto os que são dignos de culto no novo
território a que foram confinados pela escravidão. O candomblé de caboclo é uma
modalidade do angola centrado no culto exclusivo dos antepassados indígenas
(Santos, 1992; M. Ferretti, 1994). Foram provavelmente o candomblé angola e o
de caboclo que deram origem à umbanda. Há outras nações menores de origem
banto, como a congo e a cambinda, hoje quase
inteiramente absorvidas pela nação angola.
A nação jeje-mahin, do estado da
Bahia, e a jeje-mina, do Maranhão, derivaram suas
tradições e língua ritual do ewê-fon, ou jejes, como
já eram chamados pelos nagôs, e suas entidades centrais são os voduns. As
tradições rituais jejes foram muito importantes na formação dos candomblés com
predominância iorubá.
Iniciação no candomblé queto
O sacerdócio e organização dos ritos para o culto dos orixás
são complexos, com todo um aprendizado que administra os padrões culturais de
transe, pelo qual os deuses se manifestam no corpo de seus iniciados durante as
cerimônias para serem admirados, louvados, cultuados. Os iniciados, filhos e
filhas-de-santo (iaô, em linguagem ritual), também são popularmente denominados
"cavalos dos deuses" uma vez que o transe consiste basicamente em
mecanismo pelo qual cada filho ou filha se deixa cavalgar pela divindade, que
se apropria do corpo e da mente do iniciado, num modelo de transe inconsciente
bem diferente daquele do kardecismo, em que o médium, mesmo em transe, deve
sempre permanecer atento à presença do espírito. O processo de se transformar
num "cavalo" é uma estrada longa, difícil e cara, cujos estágios na
"nação" queto podem ser assim sumariados:
Para começar, a mãe-de-santo deve determinar, através do jogo
de búzios, qual é o orixá dono da cabeça daquele indivíduo (Braga, 1988). Ele
ou ela recebe então um fio de contas sacralizado, cujas cores simbolizam o seu
orixá (ver Anexo), dando-se início a um longo aprendizado que acompanhará o
mesmo por toda a vida. A primeira cerimônia privada a que a noviça (abiã) é
submetida consiste num sacrifício votivo à sua própria cabeça (ebori), para que
a cabeça possa se fortalecer e estar preparada para algum dia receber o orixá
no transe de possessão. Para se iniciar como cavalo dos deuses, a abiã precisa
juntar dinheiro suficiente para cobrir os gastos com as oferendas (animais e
ampla variedade de alimentos e objetos), roupas cerimoniais, utensílios e
adornos rituais e demais despesas suas, da família-de-santo, e eventualmente de
sua própria família durante o período de reclusão iniciática em que não estará,
evidentemente, disponível para o trabalho no mundo profano.
Como parte da iniciação, a noviça permanece em reclusão no
terreiro por um número em torno de 21 dias. Na fase final da reclusão, uma
representação material do orixá do iniciado (assentamento ou ibá-orixá) é lavada com um preparado de folhas sagradas
trituradas (amassi). A cabeça da noviça é raspada e pintada, assim preparada
para receber o orixá no curso do sacrifício então oferecido (orô). Dependendo
do orixá, alguns dos animais seguintes podem ser oferecidos: cabritos, ovelhas,
pombas, galinhas, galos, caramujos. O sangue é derramado sobre a cabeça da
noviça, no assentamento do orixá e no chão do terreiro, criando este sacrifício
um laço sagrado entre a noviça, o seu orixá e a comunidade de culto, da qual a
mãe-de-santo é a cabeça. Durante a etapa das cerimônias iniciáticas em que a
noviça é apresentada pela primeira vez à comunidade, seu orixá grita seu nome,
fazendo-se assim reconhecer por todos, completando-se a iniciação como iaô
(iniciada jovem que "recebe" orixá). O orixá está pronto para ser
festejado e para isso é vestido e paramentado, e levado para junto dos
atabaques, para dançar, dançar e dançar.
No candomblé sempre estão presentes o ritmo dos tambores, os
cantos, a dança e a comida (Motta, 1991). Uma festa de louvor aos orixás
(toque) sempre se encerra com um grande banquete comunitário (ajeum, que
significa "vamos comer"), preparado com carne dos animais
sacrificados. O novo filho ou filha-de-santo deverá oferecer sacrifícios e
cerimônias festivas ao final do primeiro, terceiro e sétimo ano de sua
iniciação. No sétimo aniversário, recebe o grau de senioridade (ebômi, que
significa "meu irmão mais velho"), estando ritualmente autorizado a
abrir sua própria casa de culto. Cerimônias sacrificiais são também oferecidas
em outras etapas da vida, como no
vigésimo primeiro aniversário de iniciação.
Quando o ebômi morre, rituais fúnebres (axexê) são realizados pela
comunidade para que o orixá fixado na cabeça durante a primeira fase da
iniciação possa desligar-se do corpo e retornar ao mundo paralelo dos deuses
(orum) e para que o espírito da pessoa morta (egum) liberte-se daquele corpo,
para renascer um dia e poder de novo
gozar dos prazeres deste mundo.
Ritual e ética
O candomblé opera em um contexto ético no qual a noção judáico-cristã de pecado não faz sentido. A diferença entre
o bem e o mal depende basicamente da relação entre o seguidor e seu deus
pessoal, o orixá. Não há um sistema de moralidade referido ao bem-estar da
coletividade humana, pautando-se o que é certo ou errado na relação entre cada
indivíduo e seu orixá particular. A
ênfase do candomblé está no rito e na iniciação, que, como se viu brevemente, é
quase interminável, gradual e secreta.
O culto demanda sacrifício de sangue animal, oferta de
alimentos e vários ingredientes. A carne dos animais abatidos nos sacrifícios
votivos é comida pelos membros da comunidade religiosa, enquanto o sangue e
certas partes dos animais, como patas e cabeça, órgãos internos e costelas, são
oferecidas aos orixás. Somente iniciados têm acesso a estas cerimônias,
conduzidas em espaços privativos denominados quartos-de-santo. Uma vez que o
aprendizado religioso sempre se dá longe dos olhos do público, a religião
acaba por se recobrir de uma aura de
sombras e mistérios, embora todas as danças, que são o ponto alto das
celebrações, ocorram sempre no barracão, que é o espaço aberto ao público. As
celebrações de barracão, os toques,
consistem numa seqüência de danças, em que, um por um, são honrados
todos os orixás, cada um se manifestando no corpo de seus filhos e filhas,
sendo vestidos com roupas de cores específicas, usando nas mãos ferramentas e
objetos particulares a cada um deles, expressando-se em gestos e passos que
reproduzem simbolicamente cenas de suas biografias míticas. Essa seqüência de
música e dança, sempre ao som dos tambores (chamados rum, rumpi e lé) é
designada xirê, que em iorubá significa "vamos dançar". O lado
público do candomblé é sempre festivo, bonito, esplendoroso, esteticamente exagerado para os padrões
europeus e extrovertido.
Para o grande público, desatento para o difícil lado da
iniciação, o candomblé é visto como um grande palco em que se reproduzem
tradições afro-brasileiras igualmente presentes, em menor grau, em outras esferas da cultura, como a música e
a escola de samba. Para o não iniciado, dificilmente se concebe que a cerimônia
de celebração no candomblé seja algo mais que um eterno dançar dos deuses
africanos.
Seguidores e clientes
O candomblé atende a uma grande demanda por serviços
mágico-religiosos de uma larga clientela que não necessariamente toma parte em
qualquer aspecto das atividades do culto. Os clientes procuram a mãe ou
pai-de-santo para o jogo de búzios, o oráculo do candomblé, através do qual
problemas são desvendados e oferendas são prescritas para sua solução. O
cliente paga pelo jogo de búzios e pelo sacrifício propiciatório (ebó)
eventualmente recomendado. O cliente em geral fica sabendo qual é o orixá dono
de sua cabeça e pode mesmo comparecer às festas em que se faz a celebração de
seu orixá, podendo colaborar com algum dinheiro no preparo das festividades,
embora não sele nenhum compromisso com a religião. O cliente sabe quase nada
sobre o processo iniciático e nunca toma parte nele. Entretanto, ele tem uma
dupla importância: antes de mais nada, sua demanda por serviços ajuda a
legitimar o terreiro e o grupo religioso em termos sociais. Segundo, é da clientela
que provém, na maioria dos terreiros, uma substancial parte dos fundos
necessários para as despesas com as atividades sacrificiais. Comumente, sacerdotes e sacerdotisas do
candomblé que adquirem alto grau de prestígio na sociedade inclusiva gostam de
nomear, entre seus clientes, figuras importantes dos mais diversos segmentos da
sociedade.
Devotos das religiões afro-brasileiras podem cultuar também
outras entidades que não os orixás africanos, como os caboclos (espíritos de
índios brasileiros) e encantados (humanos que teriam vivido em outras épocas e
outros países). Durante o transe ritual, os caboclos conversam com seus
seguidores e amigos, oferecendo conselhos e fórmulas mágicas para o tratamento
de todos os tipos de problemas. A organização dos panteões de divindades
africanas nos terreiros varia de acordo com cada nação de candomblé (Santos,
1992; M. Ferretti, 1993). Caboclos e
pretos-velhos (espíritos de escravos) são centrais na umbanda, em que estas
entidades têm papel mais importante no cotidiano da religião do que os próprios
orixás.
III: Comportamento humano como herança dos orixás
Segundo o candomblé, cada
pessoa pertence a um deus determinado, que é o senhor de sua cabeça e mente e
de quem herda características físicas e de personalidade. É prerrogativa religiosa do pai ou
mãe-de-santo descobrir esta origem mítica através do jogo de búzios. Esse
conhecimento é absolutamente imperativo no processo de iniciação de novos
devotos e mesmo para se fazerem previsões do futuro para os clientes e resolver
seus problemas. Embora na África haja registro de culto a cerca de 400 orixás,
apenas duas dezenas deles sobreviveram no Brasil. A cada um destes cabe o papel
de reger e controlar forças da natureza e aspectos do mundo, da sociedade e da
pessoa humana. Cada um tem suas próprias características, elementos naturais,
cores simbólicas, vestuário, músicas, alimentos, bebidas, além de se
caracterizar por ênfase em certos traços de personalidade, desejos, defeitos,
etc. (ver Anexo). Nenhum orixá é nem inteiramente bom, nem inteiramente mau.
Noções ocidentais de bem e mal estão ausentes da religião dos orixás no Brasil.
E os devotos acreditam que os homens e mulheres herdam muitos dos atributos de
personalidade de seus orixás, de modo que em muitas situações a conduta de
alguém pode ser espelhada em passagens míticas que relatam as aventuras dos
orixás. Isto evidentemente legitima, aos olhos da comunidade de culto, tanto as
realizações como as faltas de cada um.
Vejamos abreviadamente algumas
das características de personalidade mais usualmente atribuídas aos orixás por
seus seguidores[7]:
Exu — Deus mensageiro, divindade trickster, o trapaceiro. Em
qualquer cerimônia é sempre o primeiro a ser homenageado, para se evitar que se
enraiveça e atrapalhe o ritual. Guardião
das encruzilhadas e das portas da rua. Sincretizado com o Diabo católico. Seus
símbolos são um porrete fálico e tridentes de ferro. Os seguidores acreditam
que as pessoas consagradas a Exu são inteligentes, sexy, rápidas, carnais,
licenciosas, quentes, eróticas e sujas. Filhos de Exu gostam de comer e beber
em demasia. Não se deve confiar nunca num filho ou numa filha de Exu. Eles são
os melhores, mas eles decidem quando o querem ser. Não são dados ao casamento,
gostam de andar sozinhos pelas ruas, bebendo e observando os outros para
apanhá-los desprevenidos. Deve-se pagar a Exu com dinheiro, comida, atenção
sempre que se precise de um favor dele. Como o pai, filhos de Exu nunca fazem
nada sem paga. A saudação a Exu é Laroyê!
Ogum — Deus da guerra, do ferro, da metalurgia e da tecnologia.
Sincretizado com Santo Antônio e São Jorge. É o orixá que tem o poder de abrir
os caminhos, facilitando viagens e progressos na vida. Os estereótipos mostram
os filhos de Ogum como teimosos, apaixonados e com certa frieza racional. Eles
são muito trabalhadores, especialmente moldados para o trabalho manual e para
as atividades técnicas. Embora eles usualmente façam qualquer coisa por um
amigo, os filhos e filhas de Ogum não sabem amar sem machucar: despedaçam
corações. Acredita-se que sejam muito bem dotados sexualmente, tanto quanto os
filhos de Exu, irmão de Ogum. Embora eles possam ter muitos interesses, os
filhos de Ogum preferem as coisas práticas, detestando qualquer trabalho
intelectual. Eles dão bons guerreiros, policiais, soldados, mecânicos,
técnicos. Saudação: Ogunhê!
Oxóssi — Deus da caça.
Sincretizado com São Jorge e São Sebastião. Orixá da fartura. Seus filhos são
elegantes, graciosos, xeretas, curiosos e solitários. Embora dêem bons pais e
boas mães, têm sempre dificuldade com o ser amado. São amigáveis, pacientes e
muitas vezes ingênuos. Os filhos de Oxóssi têm aparência jovial e parece que
estão sempre à procura de alguma coisa. Não conseguem ser monogâmicos. Têm de
caçar noite e dia. Por isso são considerados irresponsáveis. De fato, eles se
sentem livres para quebrar qualquer compromisso que não lhes agrade mais.
Dificilmente eles se sentem obrigados a comparecer a um encontro marcado,
quando outra coisa mais interessante cruza o seu caminho. Okê arô!
Obaluaiê ou Omulu — Deus da
varíola, das pragas e doenças. É relacionado com todo o tipo de mal físico e
suas curas. Associado aos cemitérios, solos e subsolos. Sincretizado com São
Lázaro e São Roque. Seus filhos aparentam um aspecto deprimido. São negativos,
pessimistas, inspirando pena. Eles parecem pouco amigos, mas é porque são
tímidos e envergonhados. Seja amigo de um deles e você descobrirá que tudo o
que eles precisam para ser as melhores pessoas do mundo é de um pouco de
atenção e uma pitada de amor. Quando
envelhecem, alguns se tornam sábios,
outros parecem completos idiotas. É que apenas querem ficar sozinhos. Atotô!
Xangô — Deus do trovão e da justiça. Sincretizado com São Jerônimo.
Seus filhos se dão bem em atividades e assuntos que envolvem justiça, negócios
e burocracia. Sentem que nasceram para ser reis e rainhas, mas usualmente
acabam se comportando como plebeus. São teimosos, resolutos e glutões;
gananciosos por dinheiro, comida e poder. Uma pessoa de Xangô gosta de se
mostrar com muitos amantes, embora não sejam reconhecidos como pessoas capazes
de grandes proezas sexuais. Vivem para lutar e para envolver as pessoas que o
cercam na sua própria e interminável
guerra pessoal. Gostam de criar suas famílias, protegendo seus rebentos além do
usual. Por isso são muito bons amigos e excelentes pais. Kaô kabiesile!
Oxum — Deusa da água doce, do ouro, da fertilidade e do amor.
Sincretizada com Nossa Senhora das Candeias. Senhora da vaidade, ela foi a
esposa favorita de Xangô. Os filhos e filhas de Oxum são pessoas atrativas,
sedutoras, manhosas e insinuantes. Elas sabem como manobrar os seus amores; são
boas na feitiçaria e na previsão do futuro. Adoram adivinhar segredos e
mistérios. São orgulhosas da beleza que pensam ter por direito natural. Podem
ser muito vaidosas, atrevidas e arrogantes. Dizem que sabem tudo do amor, do
namoro e do casamento, mas têm muita dificuldade em criar seus filhos
adequadamente, muitas vezes até se esquecendo que eles existem. Não gostam da
pobreza e nem da solidão. Saudação: Ora yeyê ô!
Iansã ou Oiá — Deusa dos
raios, dos ventos e das tempestades. É a esposa de Xangô que o acompanha na
guerra. Orixá guerreira que leva a alma dos mortos ao outro mundo. Sincretizada
com Santa Bárbara. Seus filhos e filhas são mais dotados para a prática do sexo
do que para o cultivo do amor. Deusa do erotismo, ela é uma espécie de entidade
feminista. As pessoas de Iansã são brilhantes, conversadoras, espalhafatosas, bocudas e corajosas. Detestam fazer pequenos serviços em
favor dos outros, pois sentem que isso contraria sua majestade. Elas podem dar
a vida pela pessoa amada, mas jamais perdoam uma traição. Eparrei!
Iemanjá — Deusa dos grandes rios, dos mares, dos oceanos. Cultuada
no Brasil como mãe de muitos orixás. Sincretizada com Nossa Senhora da
Conceição. Freqüentemente representada por uma sereia, sua estátua pode ser
vista em quase todas as cidades ao longo da costa brasileira. Ela é a grande
mãe, dos orixás e do Brasil, a quem protege como padroeira, sendo igualmente
Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Os filhos e filhas de Iemanjá tornam-se
bons pais e boas mães. Protegem seus filhos como leões. Seu maior defeito é
falar demais; são incapazes de guardar um segredo. Gostam muito do trabalho e
de derrotar a pobreza. Fisicamente são pessoas pouco atraentes, mulheres de
bustos exagerados, e sua presença entre outras pessoas é sempre pálida.
Saudação: Odoyá!
Oxalá — Deus da criação. Sincretizado com Jesus Cristo. Seus
seguidores vestem-se de branco às sextas-feiras. É sempre o último a ser
louvado durante as cerimônias religiosos afro-brasileiras; é reverenciado pelos
demais orixás. Como criador, ele modelou os primeiros seres humanos. Quando se
revela no transe, apresenta-se de duas formas: o velho Oxalufã, cansado e
encurvado, movendo-se vagarosamente, quase incapaz de dançar; o jovem
Oxaguiã, dançando rápido como o
guerreiro. Por ter inventado o pilão para preparar o inhame como seu prato
favorito, Oxaguiã é considerado o criador da cultura material. Ao invés de
sacrifício de sangue de animais quentes, Oxalá prefere o sangue frio dos
caracóis. Os filhos de Oxalá gostam do poder, do trabalho criativo, apreciam
ser bem tratados e mostram-se mandões e determinados na relação com os outros.
São melhores no amor do que no sexo, gostam muito de aprender e de ensinar, mas
nunca ensinam a lição completamente. São calados e chatos. Gostam de desafios,
são muito bons amigos e muito bons adversários aos que se atrevem a se opor a
eles. Povo de Oxalá nunca desiste. Epa
Babá!
"Tal pai, tal filho." Assim, cada orixá tem um tipo
mítico que é religiosamente atribuído aos seus descendentes, seus filhos e
filhas. Através de mitos, a religião
fornece padrões de comportamento que modelam, reforçam e legitimam o
comportamento dos fiéis (Verger, 1957, 1985b).
De fato, o seguidor do candomblé pode simplesmente tomar os
atributos do seu orixá como se fossem os seus próprios e tentar se parecer com
ele, ou reconhecer através dos atributos da divindade bases que justificam sua
conduta. Os padrões apresentados pelos
mitos dos orixás podem assim ser usados como modelo a ser seguido, ou como
validação social para um modo de conduta já presente. Um iniciado pode, ao familiarizar-se com seus
estereótipos míticos, identificar-se com eles e reforçar certos comportamento,
ou simplesmente chamar a atenção dos demais para este ou aquele traço que sela
sua identidade mítica. Mudar ou não o
comportamento não é importante; o que conta é sentir-se próximo do modelo
divino.
Além de seu orixá dono da cabeça, acredita-se que cada pessoa
tem um segundo orixá, que atua como uma divindade associada (juntó) que
complementa o primeiro. Diz-se, por
exemplo: "sou filho de Oxalá e Iemanjá". Geralmente, se o primeiro é masculino, o
segundo é feminino, e vice-versa, como se cada um tivesse pai e mãe. A segunda divindade tem papel importante na
definição do comportamento, permitindo opera-se com combinações muito
ricas. Como cada orixá particular da
pessoa deriva de uma qualidade do orixá geral, que pode ser o orixá em idade
jovem ou já idoso, ou o orixá em tempo de paz ou de guerra, como rei ou como
súdito etc. etc., a variações que servem como modelos são quase inesgotáveis.
Às vezes, quando certas características incontestes de um
orixá não se ajustam a uma pessoa tida como seu filho, não é incomum nos meios
do candomblé duvidar-se daquela filiação, suspeitando-se que aquele iniciado
está com o "santo errado", ou seja, mal identificado pela mãe ou
pai-de-santo responsável pela iniciação.
Neste caso, o verdadeiro orixá tem que ser descoberto e o processo de
iniciação reordenado. Pode acontecer
também a suspeita de que o santo está certo, mas que certas passagens míticas
de sua biografia, que explicariam aqueles comportamentos, estão perdidas. No candomblé sempre se tem a idéia de que parte
do conhecimento mítico e ritual foi perdido na transposição da África para o
Brasil, e de que em algum lugar existe uma verdade perdida, um conhecimento
esquecido, uma revelação escondida. Pode-se mudar de santo, ou encetar
interminável busca deste conhecimento "faltante", busca que vai de
terreiro em terreiro, de cidade em cidade, na rota final para Salvador —
reconhecidamente o grande centro do conhecimento sacerdotal, do axé —, e às
vezes até a África e não raro à mera etnografia acadêmica. Reconhece-se que falta alguma coisa que
precisa ser recuperada, completada. A
construção da religião, de seus deuses, símbolos e significados estará sempre
longe de ter se completado. Os seguidores, evidentemente, nunca se dão conta
disso.
IV: Religiões éticas e religiões mágicas
O candomblé é uma religião basicamente ritual e a-ética, que — talvez por isso mesmo — veio a se constituir
como uma alternativa sacral importante para diferentes segmentos sociais que
vivem numa sociedade como a nossa, em que ética, código moral e normas de
comportamento estritas podem valer pouco, ou comportar valores muito
diferentes.
Nas religiões éticas, a mística extática, a experiência
religiosa do transe (que é o caso do candomblé), dá lugar ao experimentar a
idéia de dever, retribuição e piedade para com o próximo, que é o fundamento
religioso — e da religião — do modo de vida, a razão de existência e o meio de
salvação. A transgressão deixa de estar relacionada com a impropriedade ritual
para ser a transgressão de um princípio, ético, normativo. Nesse tipo, a
religião é fonte e guardiã da moralidade entre os homens, já que deus é a
potência ética plena e em si. Nas religiões mágicas, ao contrário, não há a idéia de salvação, a de busca necessária
de um outro mundo em que a corrupção está superada, mas sim a procura de
interferência neste mundo presente através do uso de forças sagradas que vêm,
elas sim, do outro mundo. Nesta classe de religiões mágicas e rituais podemos
perfeitamente enxergar o candomblé: "Seus deuses são fortes, com paixões
análogas às dos homens, alternadamente valentes ou pérfidos, amigos e inimigos
entre si e contra os homens, mas em todo caso inteiramente desprovidos de
moralidade, e, tanto quanto os homens, passíveis de suborno, mediante o
sacrifício, e coagidos por procedimentos mágicos que fazem com que os homens
venham a se tornar, pelo conhecimento que estes acabam tendo dos deuses todos,
mais fortes do que os próprios deuses"
(Weber, 1969, v.2: 909). Esses deuses, que são tantos, e nem mesmo se
conhecem entre si, mas que são conhecidos pelo sacerdote-feiticeiro, que pode,
inclusive, jogar um contra o outro para obter favores para os homens, esses
deuses nunca chegam a ser potências éticas que exigem e recompensam o bem e
castigam o mal; eles estão preocupados com a sua própria sobrevivência e, para
isso, com o cuidado de seus adeptos particulares.
Daí as religiões mágicas não se caracterizarem pela
existência de um pacto geral de luta do bem contra o mal. Nelas, o sacerdócio e
o cumprimento de prescrições rituais têm finalidade meramente utilitária de
manipulação do mundo natural e não natural, de exercício de poder sobre forças
e entidades sobrenaturais maléficas e demoníacas, de ataque e defesa em relação
à ação do outro, que é sempre um inimigo potencial, um oponente. Não há uma teodicéia capaz de nuclear a religião e nem desenvolver
especulações éticas sobre a ordem cósmica, mesmo porque a religião — no caso do
candomblé — já se desenvolveu como uma colcha de retalhos, fragmentos cuja
unidade vem sendo ainda buscada por alguns de seus adeptos que se põem esta
questão da explicação da ordem cósmica, ainda que num plano que precede o
encontro de um fim transcendente, e que se ampara numa etnografia que relativisa as culturas e legitima como igualmente uniorganizadoras do cosmo as diferentes formas de religião.
Por exemplo, Juana dos Santos, em Os nagô
e a morte (1986), parte de uma base empírica oferecida por suas pesquisas
no Brasil e na África, e com uma reinterpretação
apoiada na etnografia, cria, no papel, uma religião que não se pode encontrar
nem no Brasil nem na África, propondo para cada dimensão ritual da religião que
ela reconstitui significados que procuram dar às partes o sentido de um todo,
dando-se à religião uma forma acabada que ela não tem.
Creio não ser difícil imaginar que o candomblé, de fato,
comporta elementos desses dois grandes tipos de religião, mas no conjunto se
aproxima mais das religiões mágicas e rituais, e, como religião de serviço,
chega praticamente a se colar no tipo estrito de religião mágica. O próprio
movimento recente de abandono do sincretismo católico leva a um certo
esvaziamento axiológico, esvaziamento de uma ética, ainda que tênue, partilhada
em comunidades de candomblé antigas,
emprestada do catolicismo, ou imposta por ele, uma vez que as questões de moralidade foram
um terreno que o catolicismo dominador reservou para si e para seu controle no
curso da formação das religiões negras no Brasil. Neste movimento, entretanto,
o candomblé não pode mais voltar à tribo original nem ao modelo de justiça
tradicional do ancestral, o egungun, para regrar a
conduta na vida cotidiana. E nem precisa disto, pois não é mais no grupo
fechado que está hoje sua força e sua importância como religião.
De todo modo, foi exatamente o desprendimento do candomblé de
suas de amarras étnicas originais que o transformou numa religião para todos,
ainda que sendo (ou talvez porque) uma religião aética, permitindo também a
oferta de serviços mágicos para uma população fora do grupo de culto, que está
habituada a compor, com base em muitos fragmentos de origens diferentes, formas
privadas, às vezes até pessoais, de interpretação do mundo e de intervenção
nele por meios objetivos e subjetivos e cujo acesso está codificado numa
relação de troca, numa relação comercial para um tipo de consumo imediato,
diversificado e particularizável que é contraposto ao consumo massificado que a
sociedade pressupõe e obriga. Estou me referindo especialmente a indivíduos de
classe média que usam experimentar códigos com os quais não mantêm vínculos e
compromissos duradouros, e que o fazem por sua livre escolha, podendo contar
com um repertório tanto mais variado quanto possível.
V: Uma religião para os excluído
Os cultos dos orixás no Brasil, dos quais excluo em grande
parte a umbanda, pela dimensão kardecista-católica
que compõe seu plano de moralidade, mas nos quais incluo as formas do candomblé
baiano, do xangô pernambucano, batuque gaúcho, tambor-de-mina do Nordeste
ocidental etc., têm sido, pelo menos desde os anos 30, e ininterruptamente,
verdadeiros redutos homossexuais, de homossexuais de classe social
inferior. Com exceção de Ruth Landes, em
seu escrito de 1940 (Landes, 1967), até bem pouco tempo os pesquisadores que
erigiram a literatura científica sobre o candomblé sempre esconderam este fato,
ou ao menos o relevaram como traço de algum terreiro "culturalmente
decadente". Ora, o homossexualismo
está presente mesmo nas casas mais tradicionais do país, não viu quem não quis
(sobre estudos contemporâneos, ver bibliografia em Teixeira, 1987).
O homossexual, sobretudo o homem, sempre foi obrigado a publicizar a sua intimidade como único meio de encontrar
parceria sexual, e, ao publicizar sua intimidade,
obrigava-se a desempenhar um papel social que não pusesse em risco a sua busca
de parceiro, isto é, que não pusesse em risco o parceiro potencial, um papel
que o mostrava como o de fora, o diferente, o não incluído, mas que ainda assim
não chegava a oferecer qualquer risco de "contaminação" do parceiro,
que para efeito público não chegava nunca a mudar de papel sexual. Sua diferença o obrigou a desenvolver padrões
de conduta que o identificasse facilmente: para ser homossexual era preciso
mostrar-se homossexual. Pois nenhuma instituição social no Brasil, afora o
candomblé, jamais aceitou o homossexual como uma categoria que não precisa
necessariamente esconder-se, anulando-o enquanto tal. Só com os movimentos gay
de origem norte-americana, a partir dos anos 60, é que se buscou quebrar a
idéia de que o homossexual tinha que "parecer" diferente, num jogo
que valorizou a semelhança e que, talvez, tenha dado suporte para a guetificação e "formação demográfica" dos hoje
denominados "grupos de risco" da AIDS.
Esta aceitação de um grupo tão problemático para outras
instituições, religiosas ou não, também demonstra a aceitação que o candomblé
tem deste mundo, mesmo quando, no extremo, trata-se do mundo da rua, do cais do
porto, dos meretrícios e portas de cadeia.
Grandíssima e exemplar é a capacidade do candomblé de juntar os santos
aos pecadores, o maculado ao limpo, o feio ao bonito. Se concordarmos que as maiores concentrações
relativas de homossexuais e bissexuais ocorrem nas grandes cidades, onde podem
refugiar-se no anonimato e na indiferença que os grandes centros oferecem (além
de oferecerem locais e instituições de publicização,
que na cidade grande podem funcionar como espaços fechados, isto é, públicos
porém privatizados), encontramos uma razão a mais para o sucesso do candomblé
em São Paulo — a possibilidade de fazer parte de um grupo religioso, isto é,
voltado para o exercício da fé, mas que ao mesmo tempo é lúdico, reforçador da
personalidade, capaz de aproveitar os talentos estéticos individuais e, por que
não?, um nada desprezível meio de mobilidade social e acumulação de prestígio,
coisas muito pouco ou nada acessíveis aos homossexuais em nossa sociedade.
Ainda mais quando se é pobre, pardo, migrante, pouco escolarizado. O candomblé
é assim, de fato, uma religião apetrechada para oferecer estratégias de vida que
as ciências sociais jamais imaginaram.
Esta relação entre sacerdócio e homossexualidade não é
prerrogativa nem do candomblé e nem de nossa civilização. Mas o que faz do candomblé uma religião tão
singular é o fato de que todos os seus adeptos devem exercer necessariamente
algum tipo de cargo sacerdotal. E qualquer que seja o cargo sacerdotal ocupado,
ninguém precisa esconder ou disfarçar suas preferências sexuais. Ao contrário,
pode até usar o cargo para legitimar a preferência, como se usa o orixá para
explicar a diferença. Para melhor entendermos isso tudo, entretanto, teríamos
também que não deixar esquecido o fato de contarmos inclusive com variantes de
uma sociabilidade, jeitos de ser e de viver,
vivenciadas por grande parte da
população brasileira mais pobre (que de todo lugar do país vai se juntando nas
periferias metropolitanas), hoje não importando muito mais sua origem de cor,
mas que é resultante também do nosso recente passado escravista, que amputava
normas de conduta, suprimia instituições familiares e aleijava até mesmo as
religiões das populações escravas. Donde fica evidentíssimo
ser o candomblé uma religião brasileira muito mais que a simples reprodução de
cultos africanos aos orixás como existiram e como existem além-mar. Considero
bastante significativo o fato de o culto aos orixás, no Brasil, ter se
"descolado" do culto dos antepassados, os egunguns a que já me referi
(os quais aqui ganharam um culto à parte nos candomblés de egungun).
Na África, eles não eram apenas partes de um mesmo universo religioso: o orixá
era cultuado para zelar pela família e pelo indivíduo, o antepassado era
cultuado para cuidar da comunidade como um todo. O antepassado garantia a
regra, o orixá garantia a força sagrada agindo sobre a natureza.
Mas se o candomblé libera o indivíduo, ele libera também o
mundo. Ele não tem uma mensagem para o mundo, não saberia o que fazer com ele
se lhe fosse dado transformá-lo, não é uma religião da palavra, nunca será
salvacionista. É sem dúvida uma religião
para a metrópole, mas somente para uma parte dela, como é destino das outras
religiões hoje. O candomblé pode ser a
religião ou a magia daquele que já se fartou da transcendência despedaçada pelo
consumo da razão, da ciência e da tecnologia e que se encontrou desacreditado
do sentido de um mundo inteiramente desencantado — e o candomblé será aí uma
religião aética para uma sociedade pós-ética.
Mas também pode ser a religião e a magia daquele que sequer chegou a
experimentar a superação das condições de vida calçadas por uma certa
sociabilidade do salve-se quem puder, onde o outro não conta e, quando conta,
conta ou como opressor ou como vítima potencial, como inimigo, como
indesejável, como o que torna demasiado pesado o fardo de viver num mundo que
parece ser por demais desordenado — e o candomblé poderá ser então uma religião
aética para uma sociedade pré-ética.
VI: Sacerdotes e feiticeiros
No candomblé, a iniciação significa fazer parte dos quadros
sacerdotais, que são basicamente de duas naturezas (dos que entram em transe e
dos que não), organizados hierarquicamente e que pressupõem um tipo de
mobilidade ex opere operato.
Todo iaô que passar por suas obrigações pode chegar a pai-de-santo ou
mãe-de-santo, independentemente de seu comportamento na vida cotidiana, isto é,
fora dos limites impostos pelas obrigações rituais do devoto para com seu deus
e alheio aos deveres de lealdade para com o seu iniciador, o qual, entretanto,
pode ser substituído por outro através de adoção ritual, sempre que ocorrer,
por um motivo ou outro, quebra pública desta relação de lealdade e dependência.
Ser pai ou mãe-de-santo não é aspiração de todos os
iniciados, nem jamais pode ser em se tratando da categoria dos ebômis não
rodantes (equedes e ogãs). Entretanto, é perspectiva muito importante para boa
parcela dos adeptos. Provenientes, em geral, de classes sociais baixas (e agora
não importa mais se são brancos ou se negros) vir a ser um pai-de-santo
representa para os iniciados a possibilidade de exercer uma profissão que,
nascida como ocupação voltada para os estratos baixos e de origem negra, passou
recentemente, ao compor os quadros dos serviços de oferta generalizada a todos
os seguimentos sociais, a reivindicar o status
de uma profissão de classe média, como já ocorreu com outras atividades
profissionais e em outros contextos sociais (Hobsbawn,
1984: 299). O pai-de-santo não é mais a figura escondida, perseguida,
desprezada. Ele tem visibilidade na sociedade e transita o tempo todo nos meios
de classe média, que o buscam em seu terreiro e, assim fazendo, tiram-no do
anonimato.
Ao mostrar-se em público, o pai-de-santo vê-se obrigado a
ostentar símbolos que expressem a sua profissão. Não contando com cabedal
intelectual adquirido na escola — o que é decisivo na identidade de classe
média da maioria das profissões não proletárias, ainda que simbolicamente — o
pai e a mãe-de-santo fazem-se perceber por um estilo de vestuário e um excesso
de jóias ou outros enfeites levados no pescoço, na cabeça, na cintura e nos
pulsos, que dão a impressão de serem originalmente africanos ou de origem
africana, mas cuja "tradição" não tem mais que meio século. Ele e ela
fazem-se diferentes e, quanto mais diferentes, melhor. Um outro
"sinal" de prestígio amealhado com freqüência por sacerdotes do
candomblé, bem como da umbanda, são as medalhas e comendas concedidas por
inúmeras sociedades medalhísticas de finalidade autopromocional, e que servem para substituir, às vezes com
vantagens, os diplomas e graus universitários. Tudo isto faz parte de um
processo de mobilidade social que está ao alcance de pessoas que, por suas
origens sociais, dificilmente encontrariam outro canal de ascensão social. A
mobilidade e a visibilidade social que sua profissão agora pressupõe são
importantes para conferir ao pai-de-santo uma presença voltada para fora do
terreiro, que lhe garanta um fluxo de clientes cujo pagamento por serviços
mágicos permite a constituição de um fundo econômico que facilita, no mínimo
materialmente, a sua realização como líder religioso de seu grupo de adeptos,
numa religião em que o dispêndio material é muito grande e decididamente muito
significativo.
Este pai-de-santo e esta mãe-de-santo são sacerdotes de uma
religião em que as tensões entre magia e prática religiosa estão descartadas.
Pode-se finalmente ser, ao mesmo tempo, o sacerdote e o feiticeiro, numa
situação social em que cada um destes papéis reforçará o outro. E numa
sociedade em que cada um deles estará orientado, preferencialmente, para grupos, e até mesmo classes sociais,
diferentes.
Ao se realizar como instituição legitimada de prática mágica,
o candomblé na metrópole faz parte publicamente do jogo de múltiplos aspectos
através do qual cada grupo ou cada pessoa, individualmente, é capaz de
construir sua própria fonte de explicação, de transcendência e de intervenção
no mundo. A capacidade de se manter como religião aética, que o candomblé
demonstra ter, permite-lhe vantajosa flexibilidade em relação às outras
religiões éticas e a abertura para um mercado religioso de consumo ad
hoc, por parte dos clientes não religiosos, que
as religiões de conversão em geral não têm. A racionalização do jogo de búzios
e do ebó (ao se apresentarem como menos sacralizados do que na verdade o são),
o atendimento privativo e com hora marcada, o anonimato do serviço, a explicitação
do pagamento monetário na relação de troca, a presença do pai-de-santo num
mercado público regido por regras de eficiência e competência profissional, bem
como suas próprias regras aéticas no plano do grupo religioso, fazem desta
religião tribal de deuses africanos uma religião para a metrópole, onde o
indivíduo é cada vez mais um bricoleur.
Nesta sociedade metropolitana — no rastro das transformações
sociais de âmbito mundial dos últimos cinqüenta anos — a construção de sistemas
de significados depende cada vez mais da vontade de grupos e indivíduos. Neste
movimento, os temas religiosos relevantes, como afirma Luckmann,
podem ser selecionados a partir de diferentes preferências particulares. No
limite, cada indivíduo pode ter o seu particular e pessoal modelo de
religiosidade independente dos grandes sistemas religiosos totalizadores que
marcaram, até bem pouco, a história da humanidade.
Os deuses tribais africanos adotados na metrópole não são
mais os deuses da tribo. São deuses de uma civilização em que o sentido da
religião e da magia passou a depender, sobretudo, do estilo de subjetividade
que o homem, em grupo ou solitariamente, escolhe para si.
VII: A religião dos orixás na sociedade contemporânea
O candomblé, tal como existe hoje nos grandes centros urbanos
do Brasil, é capaz de oferecer a seus seguidores algo diferente daquilo que a
religião dos orixás, em tempos mais antigos, podia certamente propiciar, quando
sua presença significava para o escravo a ligação afetiva e mágica ao mundo africano
do qual fora arrancado pela escravidão. Quando o candomblé se organizou no
Nordeste, no século 19, ele permitia ao iniciado a reconstrução simbólica,
através do terreiro, da sua comunidade tribal africana perdida. Primeiro ele é
o elo com o mundo original. Ele
representava, assim, o mecanismo através do qual o negro africano e brasileiro
podia distanciar-se culturalmente do mundo dominado pelo opressor branco. O
negro podia contar com um mundo negro, fonte de uma África simbólica, mantido
vivo pela vida religiosa dos terreiros, como meio de resistência ao mundo
branco, que era o mundo do trabalho, do sofrimento, da escravidão, da
miséria. Bastide mostrou como a
habilidade do negro, durante o período colonial, de viver em dois diferentes
mundos ao mesmo tempo era importante para evitar tensões e resolver conflitos
difíceis de suportar sob a condição escrava (Bastide, 1975). Logo, o mesmo
negro que reconstruiu a África nos candomblés, reconheceu a necessidade de ser,
sentir-se e se mostrar brasileiro, como única possibilidade de sobrevivência, e
percebeu que para ser brasileiro era absolutamente imperativo ser católico,
mesmo que se fosse também de orixá. O
sincretismo se funda neste jogo de construção de identidade. O candomblé nasce católico quando o negro
precisa ser também brasileiro.
Quando o candomblé, a partir dos anos 1960, deslancha a
caminho de se tornar religião universal, afrouxa-se seu foco nas diferenças
raciais e ele vai deixando para trás seu significado essencial de mecanismo de
resistência cultural, embora continue a prover esse mecanismo a muitas
populações negras que vivem de certo modo econômica e culturalmente isoladas em
regiões tradicionais do Brasil. As novas
condições de vida na sociedade brasileira industrializada fazem mudar radicalmente
o sentido sociológico do candomblé. Se
até poucas décadas atrás ele significava
uma reação à segregação racial numa sociedade tradicional, em que as estruturas
sociais tinham mais o aspecto de estamentos que de
classes, agora ele tem o sentido de escolha pessoal, livre, intencional: alguém
adere ao candomblé não pelo fato de ser negro, mas porque sente que o candomblé
pode fazer sua vida mais fácil de ser vivida, porque então talvez se possa ser
mais feliz, não importa se se é branco ou negro[8].
Evidentemente, embora o processo de escolha religiosa possa ter conseqüências
sociais significativas para a sociedade como um todo — na medida que com a
escolha certas religiões podem ser mais reforçadas e neste sentido ter
aumentada sua influência na sociedade — qualquer eficácia da religião no que
diz respeito à esfera íntima só pode ser avaliada pelo indivíduo que a ela se
converte.
O desatar de laços étnicos que, no curso da últimas três
décadas, tem transformado o candomblé
numa religião para todos, também propiciou um nada desprezível alargamento da
oferta de serviços mágicos para a população exterior aos grupos de culto. Uma clientela já acostumada a compor visões
de mundo particulares a partir de fragmentos originários de diferentes métodos
e fontes de interpretação da vida. O
candomblé oferece símbolos e sentidos hoje muito valorizados pela música,
literatura, artes em geral, os quais podem ser fartamente usados pela clientela
na composição dessa visão de mundo caleidoscópica,
sem nenhum compromisso religioso. O cliente de classe média que vai aos
candomblés para jogar búzios e fazer ebós é o bricoleur que também tem
procurado muitas outras fontes não racionais de sentido para a vida e de cura
para males de toda natureza. Certamente
o candomblé deste cliente é bem diferente do candomblé do iniciado, mas nenhum
deles contradiz o sentido do outro.
O candomblé é uma religião que tem no centro o rito, as
fórmulas de repetição, pouco importando as diferenças entre o bem e o mal no
sentido cristão. O candomblé administra
a relação entre cada orixá e o ser humano que dele descende, evitando, através
da oferenda, os desequilíbrios desta relação que podem provocar a doença, a
morte, as perdas materiais, o abandono afetivo, os sofrimentos do corpo e da alma
e toda sorte de conflito que leva à infelicidade. Como religião em que não
existe a palavra no sentido ético, nem a conseqüente pregação moral, o
candomblé (juntamente com a umbanda, que contudo tem seu aspecto de religião
aética atenuado pela incorporação de virtudes teologais
do kardecismo, como a caridade) é sem dúvida uma alternativa religiosa
importante também para grupos sociais que vivem numa sociedade como a nossa, em
que a ética, os códigos morais e os padrões de comportamento estritos podem ter
pouco, variado e até mesmo nenhum valor.
O candomblé é uma religião que afirma o mundo, reorganiza
seus valores e também reveste de estima muitas das coisa que outras religiões
consideram más: por exemplo, o dinheiro, os prazeres (inclusive os da carne), o
sucesso, a dominação e o poder. O iniciado não tem que internalizar valores
diferentes daqueles do mundo em que ele vive.
Ele aprende os ritos que tornam a vida neste mundo mais fácil e segura,
mundo pleno de possibilidades de bem-estar e prazer. O seguidor do candomblé propicia os deuses na
constante procura do melhor equilíbrio possível (ainda que temporário) entre
aquilo que ele é e tem e aquilo que ele gostaria de ser e ter. Nessa procura, é fundamental que o iniciado
confie cegamente em sua mãe-de-santo.
Guiado por ela, este fiel aprende, ano após ano, a repetir cada uma das
fórmula iniciáticas necessárias à manipulação da força sagrada da natureza, o
axé. Não se pode ser do candomblé sem
constantemente refazer o rito, como não se pode ser evangélico sem
constantemente examinar a própria consciência à procura da culpa que delata a
presença das paixões que precisam ser exorcizadas. O bom evangélico, para se
salvar da danação eterna, precisa
aniquilar seus desejos mais escondidos; o bom filho-de-santo precisa realizar
todos os seus desejos para que o axé, a força sagrada de seu orixá, de quem é
continuidade, possa se expandir e se tornar mais forte. Aceitando o mundo como ele é, o candomblé
aceita a humanidade, situando-a no centro do universo, apresentando-se como
religião especialmente dotada para a sociedade narcisista e egoísta em que
vivemos.
Porque o candomblé não distingue entre o bem e o mal do modo
como aprendemos com o cristianismo, ele tende a atrair também toda sorte de
indivíduos que têm sido socialmente marcados e marginalizados por outras
instituições religiosas e não religiosas.
Isto mostra como o candomblé aceita o mundo, mesmo quando ele é o
mundo da rua, da prostituição, dos que
já cruzaram as portas da prisão. O
candomblé não discrimina o bandido, a adúltera, o travesti e todo tipo de
rejeitado social. Mas se o candomblé
libera o indivíduo, ele também libera o mundo: não tem para este nenhuma
mensagem de mudança; não deseja transformá-lo em outra coisa, como se propõem,
por exemplo, os católicos que seguem a Teologia da Libertação, sempre
interessados em substituir este mundo por outro mais justo. O candomblé se
preocupa sobretudo com aspectos muito concretos da vida: doença, dor,
desemprego, deslealdade, falta de dinheiro, comida e abrigo — mas sempre
tratando dos problemas caso a caso, indivíduo a indivíduo, pois não se trabalha
aqui com a noção de interesses coletivos, mas sempre com a de destino
individual. O candomblé também pode ser a religião ou a magia daquele que já se
fartou dos sentidos dados pela razão, ciência e tecnologia, e que deixou de
acreditar no sentido de um mundo totalmente desencantado, que deixou para trás
a magia, em nome da eficácia do secular pensamento moderno. Talvez o candomblé possa ser a religião
daquele que não consegue atinar com o senso de justiça social suficiente para
resolver muitos dos problemas que cada indivíduo enfrenta no curso de sua vida
pelo mundo desencantado.
O candomblé também oferece a seus iniciados e simpatizantes
uma particular possibilidade de prazeres estéticos, que se esparrama pelas mais
diferentes esfera da arte e da diversão, da música à cozinha, do artesanato à
escola de samba, além da fascinação do próprio jogo de búzios, o portão de
entrada para o riquíssimo universo cultural dos orixás. O candomblé ensina,
sobretudo, que antes de se louvarem os deuses, é imperativo louvar a própria
cabeça; ninguém terá um deus forte se não estiver bem consigo mesmo, como
ensina o dito tantas vezes repetidos nos candomblés: "Ori buruku kossi orixá", ou
"Cabeça ruim não tem orixá".
Para os que se convertem, isso faz uma grande diferença em termos de
auto-estima.
Na nossa sociedade das grandes metrópoles, se a construção de
sentidos depende cada vez mais do desejo de grupos e indivíduos que podem
escolher esta ou aquela religião, ou fragmentos delas, a relevância dos temas
religiosos igualmente pode ser atribuída de acordo com preferências
privadas. A religião é agora matéria de
preferência, de tal sorte que até mesmo escolher não ter religião alguma é
inteiramente aceitável socialmente. Assim, os deuses africanos apropriados
pelas metrópoles da América do Sul não são mais deuses da tribo, impostos aos
que nela nascem. Eles são deuses numa civilização em que os indivíduos são
livres para escolhê-los ou não, continuar fielmente nos seus cultos ou
simplesmente abandoná-los. O candomblé pode também significar a possibilidade
daquele que é pobre e socialmente marginalizado ter o seu deus pessoal que ele
alimenta, veste e ao qual dá vida para que possa ser honrado e homenageado por
toda uma comunidade de culto. Quando a filha-de-santo se deixa cavalgar pelo
seu orixá, a ela se abre como palco o barracão em festa, para o que talvez seja
a única possibilidade na sua pobre vida de experimentar uma apresentação solo,
de estar no centro das atenções, quando seu orixá, paramentado com as melhores
roupas e ferramentas de fantasia, há de ser admirado e aclamado por todos os
presentes, quiçá invejado por muitos. E por toda a noite o cavalo dos deuses há
de dançar, dançar e dançar. Ninguém
jamais viu um orixá tão bonito como o seu.
Anexo:
Atributos básicos dos orixás no candomblé
(Nação queto)
Orixá
|
Atribuição
|
Sexo
|
Elemento
Natural
|
Patronagem
|
Exu
|
orixá mensageiro, guardião das encruzilhadas e da
entrada das casas
|
M
|
minério de ferro
|
comunicação, transformação, potência sexual
|
Ogum
|
orixá da metalurgia, da agricultura e da guerra
|
M
|
ferro forjado
|
estradas abertas,
ocupações manuais,
soldados e polícia
|
Oxóssi ou Odé
|
orixá da caça (fauna)
|
M
|
florestas
|
fartura de alimentos
|
Ossaim
|
orixá da vegetação (flora)
|
M
|
folhas
|
eficácia dos remédios e da medicina
|
Oxumarê
|
orixá do arco-íris
|
M e F (andrógino)
|
chuva e condições atmosféricas
|
riqueza que provém das colheitas (chuva)
|
Obaluaiê ou Omulu
|
orixá da varíola, pragas e doenças
|
M
|
terra, solo
|
cura de doenças físicas
|
Xangô
|
orixá do trovão
|
M
|
trovão e pedras
(pedra de raio)
|
governo, justiça,
tribunais,
ocupações burocrática
|
Oiá ou Iansã
|
orixá do relâmpago,
dona dos espíritos dos mortos
|
F
|
relâmpagos, raios, vento tempestade
|
sensualidade, amor carnal, desastres atmosféricos
|
Obá
|
orixá dos rios
|
F
|
rios
|
trabalho doméstico e o poder da mulher
|
Oxum
|
orixá da água doce e dos metais preciosos
|
F
|
rios, lagoas e cachoeiras
|
amor, ouro, fertilidade, gestação, vaidade
|
Logun-Edé
|
orixás dos rios que correm nas florestas
|
M ou
F (alternadamente)
|
rios e florestas
|
o mesmo que Oxum e Oxóssi, seus pais
|
Euá
|
orixá das fontes
|
F
|
nascentes e riachos
|
harmonia doméstica
|
Iemanjá
|
orixá das grandes águas, do mar
|
F
|
mar, grandes rios
|
maternidade, família, saúde mental
|
Nanã
|
orixá da lama do fundo das águas
|
F
|
lama, pântanos
|
educação, senioridade e morte
|
Oxaguiã (Oxalá Jovem)
|
orixá da criação (criação da cultura material)
|
M
|
ar
|
cultura material, sobrevivência
|
Oxalufã (Oxalá Velho)
|
orixá da criação (criação da humanidade)
|
M
e F (princípio da Criação)
|
ar
|
o sopro da vida
|
Orixá
|
Representação
material/ Fetiche/
Assentamento
|
Elemento
mítico
|
Cores das
roupas
|
Cores das
contas
|
Exu
|
laterita enterrada e garfos de ferro em alguidar
de barro
|
fogo e terra
|
vermelho e preto
|
vermelho e preto (alternadas)
|
Ogum
|
instrumentos agrícolas de ferro em miniatura em
alguidar de barro
|
terra
|
azul escuro,
verde e branco
|
azul escuro ou verde
|
Oxóssi ou Odé
|
pequeno arco-e-flecha de metal (ofá) em alguidar
de barro
|
terra
|
azul turquesa e verde
|
azul turquesa
|
Ossaim
|
feixe de seis setas de ferro com folhas e um
pássaro no centro, em alguidar de barro
|
terra
|
verde e branco
|
verde e branco (alternadas)
|
Oxumarê
|
duas cobras de metal entrelaçadas
|
água
|
amarelo, verde e preto
|
amarelo, verde e preto, ou búzios
|
Obaluaiê ou Omulu
|
cuscuzeiro de barro com lanças de ferro
|
terra
|
vermelho, branco e preto, com capuz de palha
|
vermelho, branco e preto
|
Xangô
|
pedra em uma gamela
|
fogo
|
vermelho, marrom e branco
|
vermelho e branco (alternadas)
|
Oiá ou Iansã
|
seixo de rio em sopeira
|
ar, água e fogo
|
marrom e vermelho escuro ou branco
|
marrom ou vermelho escuro
|
Obá
|
seixo de rio em sopeira de louça
|
água
|
vermelho e dourado
|
vermelho e amarelo translúcido
|
Oxum
|
seixo de rio em sopeira de louça
|
água
|
amarelo ou dourado com pouco de azul
|
amarelo translúcido
|
Logun-Edé
|
ofá de metal e seixos de rio em alguidar de barro
|
água e terra
|
dourado e azul turquesa
|
dourado translúcido e turquesa (alternadas)
|
Euá
|
cobra de ferro e seixos em sopeira de louça
|
água
|
vermelho e amarelo
|
búzios
|
Iemanjá
|
seixo do mar em sopeira de louça
|
água
|
azul claro, branco, verde claro
|
de vidro só incolor, ou com azul ou verde
translúcidos alternadamente
|
Nanã
|
seixos e búzios em sopeira
|
água
|
púrpura, azul e branco
|
brancas rajadas de azul cobalto
|
Oxaguiã (Oxalá Jovem)
|
pequeno pilão de prata ou estanho e seixo em sopeira de louça branca
|
ar
|
branco (com um mínimo de azul real)
|
branco e azul real
|
Oxalufã (Oxalá Velho)
|
círculo de prata ou estanho e seixo em sopeira de
louça branca
|
ar
|
branco
|
branco
|
Orixá
|
Animais
sacrificiais
|
Comidas
favoritas
|
Números no
jogo de búzios
|
Dia da semana
|
Exu
|
bode e galo pretos
|
farofa com dendê
|
1
7
|
Segunda-feira
|
Ogum
|
cabrito e frango
|
feijoada e inhame assado
|
3
7
|
Terça-feira
|
Oxóssi ou Odé
|
animais de caça e porco
|
milho cozido com fatias de coco; frutas
|
3
6
|
Quinta-feira
|
Ossaim
|
caprinos e aves machos e fêmeas
|
milho cozido temperado com fumo, frutas
|
1
7
|
Quinta-feira
|
Oxumarê
|
cabrito e cabra
|
batata doce cozida e amassada
|
3
6
11
|
Sábado
|
Obaluaiê ou Omulu
|
porco
|
pipoca com fatias de coco
|
1
3
11
|
Segunda-feira
|
Xangô
|
carneiro e cágado
|
amalá: quiabo cortado em fatias cozido no dendê
com camarão seco
|
4
6
12
|
Quarta-feira
|
Oiá ou Iansã
|
cabra galinha
|
acarajé: bolinhos de feijão fradinho fritos em
dendê
|
4
9
|
Quarta-feira
|
Obá
|
cabra e galinha
|
omelete com quiabo
|
4
6
9
|
Quarta-feira
|
Oxum
|
cabra e galinha
|
omolocum: purê de feijão fradinho
enfeitado com cinco ovos cozidos
|
5
8
|
Sábado
|
Logun-Edé
|
casal de cabritos e de aves
|
milho cozido, peixe e frutas
|
6
7
9
|
Quinta-feira
|
Euá
|
cabra e galinha
|
feijão preto com ovos cozidos
|
3
6
|
Sábado
|
Iemanjá
|
pata, cabra, ovelha, peixe
|
arroz coberto com clara batida, canjica, peixe
assado
|
3
9
10
|
Sábado
|
Nanã
|
cabra e capivara
|
mingau de farinha de mandioca
|
3
8
11
|
Segunda-feira
|
Oxaguiã (Oxalá Jovem)
|
caracol (catassol)
|
inhame pilado e canjica
|
8
|
Sexta-feira
|
Oxalufã (Oxalá Velho)
|
caracol (catassol)
|
canjica, arroz com mel, inhame pilado
|
10
|
Sexta-feira
|
Orixá
|
Objetos
rituais
|
Tabus dos filhos
|
Sincretismo/ Correspondência
|
||
|
|
|
Santo
católico
|
Vodum
Jeje
|
Inquice
Banto
|
Exu
(chamado Bara no batuque do Rio Grande do Sul)
|
ogó:
bastão com formato fálico
|
carregar
objetos na cabeça
|
Diabo
|
Elegbara
Bara
Eleguá
|
Bombogira
Aluviá
|
Ogum
|
espada
|
embebedar-se
|
Santo
Antônio
São
Jorge
|
Gun
Doçu
|
Incáci
Roximucumbe
|
Oxóssi ou Odé
|
ofá:
arco-e-flexa de metal; eru: espanta-mosca de rabo
de cavalo
|
comer
mel
|
São
Jorge
São
Sebastião
|
Azacá
|
Gongobira
Mutacalombo
|
Ossaim
|
lança
e três cabaças contendo as folhas sagradas
|
assobiar
|
Santo
Onofre
|
Agué
|
Catendê
|
Oxumarê
|
espada
e cobras de metal
|
rastejar
|
São
Bartolomeu
|
Dã
Bessém
|
Angorô
|
Obaluaiê ou Omulu
|
xaxará:
cetro feito de fibras das folhas do dendezeiro com búzios
|
ir
a funerais
|
São
Lázaro
São
Roque
|
Acóssi-Sapatá
Xapanã
|
Cafunã
Cavungo
|
Xangô
|
oxé:
machado duplo;
xere: chocalho de metal
|
contato
com mortos e cemitérios; vestir-se de vermelho
|
São
Jerônimo
São
João
|
Badé
Queviosô
|
Zázi
|
Oiá ou Iansã
|
espada
e eru (espanta-mosca)
|
comer
carneiro ou ovelha, comer abóbora
|
Santa
Bárbara
|
Sobô
|
Matamba
Bumburucema
|
Obá
|
espada
e escudo circular
|
comer
cogumelos; usar brincos
|
Santa
Joana D'Arc
|
|
|
Oxum
|
abebê: leque de metal amarelo; espada
|
comer
peixe de escamas
|
Nossa
Senhora das Candeias
|
Aziritobosse
Navê
Navezuarina
|
Samba
Quissambo
|
Logun-Edé
|
ofá
e abebê
|
usar
roupa marrom ou vermelha
|
São
Miguel Arcanjo
|
Bosso Jara
|
|
Euá
|
espada
e chocalho de matéria vegetal; esfera
|
comer
aves fêmeas
|
Santa
Lúcia
|
Euá
|
|
Iemanjá
|
abano
de metal branco e espada
|
comer
caranguejo; matar camundon-go ou barata
|
Nossa
Senhora da Conceição
|
Abê
|
Dandalunda
Quissembe
|
Nanã
|
ibiri: cetro em forma de arco, de fibras das folhas do dendezeiro com búzios
|
usar
facas de metal
|
Santana
|
Nanã
|
|
Oxaguiã (Oxalá Jovem)
|
mão
de pilão de prata ou de material branco
|
comida
com dendê; vinho de palma; usar roupa colorida às sextas-feiras
|
Jesus
(Menino)
|
|
|
Oxalufã (Oxalá Velho)
|
opaxorô:
cajado prateado com pingentes representando a criação do mundo
|
comida
com dendê; vinho de palma; usar roupa colorida às sextas-feiras
|
Jesus
(Crucificado ou Redentor)
|
Liçá
|
Zambi
|
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* Publicado
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[1]
Bastide, 1975; Carneiro, 1936.
[2]
Rodrigues, 1935; Bastide, 1978.
[3]
Motta, 1982; Pinto, 1935.
[4]
S. Ferretti, 1986; M. Ferretti, 1985; Eduardo, 1948.
[5]
Herskovits, 1943; Corrêa, 1992; Oro, 1994.
[6]
Bastide, 1975; Prandi, 1991a..
[7]
Conforme pesquisa realizada em 60 terreiros paulistas de candomblé, sobretudo
em três deles em que o trabalho de campo foi mais demorado: o Ilê Axé Ossaim Darê, de Pai Doda Braga de Ossaim, em Pirituba, o Ilê Axé Yemojá Orukoré Ogum, de Pai
Armando Vallado de Ogum, em Itapevi, e o Ile Leuiwyato, de Mãe Sandra Medeiros Epega
de Xangô, em Guararema (Prandi, 1991a). Os
estereótipos aqui apresentados são em grande parte coincidentes com aqueles
colhidos em Salvador, no Rio de Janeiro, e mesmo na África, conforme Lépine,
1981; Augras, 1983; Verger, 1985a.
[8]
"Os negros [ainda hoje] marcam maior presença nas religiões
afro-brasileiras, onde somam, entre pardos e pretos, 42,7%. Sua presença relativa sobe ainda mais no
candomblé, originariamente a grande fonte de identidade negra, em que chegam a
56,8% — a única modalidade religiosa em que o negro é a maioria dos fiéis. Mas há muito branco nas afro-brasileiras
(51,2%) e mesmo no candomblé, em que representam 39,9%." Em números
absolutos, os maiores contingentes negros são, evidentemente, católicos e em
segundo lugar, evangélicos (Prandi, 1995).
FONTE:http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/epilogo.htm
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